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RE=INICIAR | Dia # 1

Atualizado: 7 de jan. de 2023


Programa do RE=INICIAR | Encontro de Artes Performativas 2022. Grafismo e artwork de Jani Nummela. Textos de Rogério Nuno Costa. No dia em que saíram da gráfica. Amares, outubro 2022.

 

Diário de Bordo

por Diogo Sottomayor



Re=iniciar.

Re=fazer.

Re=imaginar.

Re=encontrar.


A organização e curadoria do Ballet Contemporâneo do Norte trouxe a Santa Maria da Feira um conjunto de 24 artistas que se espalharam pelos espaços convencionais e não convencionais da cidade – e alguns deles, em mais do que um espaço – mas isso será discutido mais à frente.


Isto não é um olhar exaustivo sobre todos os trabalhos, não é uma crítica, e também não é uma memória descritiva, nem tem a pretensão de o ser. Este texto é uma reflexão de alguém que esteve presente neste encontro e que procura, aqui, neste espaço, com esta distância temporal, um olhar de novo para o que ficou, o que aconteceu.


O encontro de tantas visões artísticas poderia resultar apenas numa cacofonia de ideias, porém, tal não aconteceu. O espaço de generosidade que cada artista propôs demonstrava que a ideia deste re=iniciar não era apenas uma repetição ou representação, mas sim uma oportunidade de re=ativar uma nova forma de fazer, um novo olhar, passado este tempo sobre a pandemia que, a cada dia, parece mais distante.


Sendo isto uma reflexão pessoal de um observador externo, proponho ao leitor um contrato de ficção. Levarei quem quiser caminhar textualmente comigo por estas memórias. Porém, para que a relação resulte, preciso que algumas vulnerabilidades fiquem expostas, pelo que tenho de as mostrar antes de começarmos esta caminhada:


  1. Há performances que não consegui ver: Miguel Pereira, Mariana Barros, Nélson d’Aires e Henrique Fernandes.

  2. Há performances que não vi porque participei nelas. E ver de dentro não é o mesmo do que ver de fora.

  3. Há performances onde estão antigos professores, amigos de longa data e ex-colegas de faculdade.

  4. Há performances que não ouvi. Vi entendimentos performativos de quem a ouviu.

  5. Há performances cuja construção vi de fora, mas que no dia da apresentação mergulhei com essas pessoas dentro.

  6. Há performances onde depois tive acesso ao texto e outras onde apenas tenho a memória do que foi dito.

  7. Há performances que considero que não devo escrever sobre elas. Não temos de nos ligar a tudo o que vemos. Cada gesto deste encontro é arte e a arte é subjetiva. Como tal, não quis criar uma ligação artificial.

  8. Dito isto, podemos começar, espero que estejam confortáveis. Encontramo-nos no ponto 9.


Registo fotográfico realizado por Jani Nummela (1 de novembro de 2022). Artistas: Marina Leonardo, Miguel Refresco, Carminda Soares e Catarina Real. Espaços: Black Box e Nave Central do Imaginarius Centro de Criação, ruas de Santa Maria da Feira, foyer do Cineteatro António Lamoso.

 

Primeiro dia


Marina Leonardo convoca-nos através de uma coreografia simples: “Cicatriz. Andar. Queda. Dança”. E ocorrem uma série de encontros, despedidas, procuras e gestos que nos levem a esse estado de espírito. A construção de algo que, tal como a cadeira da verdade, pode ser verdadeira ou não, essa cadeira é apenas um dispositivo, que nos mostra que o ato de partilhar é mais importante do que saber se é verdade ou não.


Uma história não se esgota no seu grau de veracidade.


Pausa para almoço.


Depois, o encontro com a instalação de Miguel Refresco: “Porque é que aqui o guardanapo é de pano e temos de o colocar no colo? Com alguma relutância, posso dizer-te que há locais onde devemos agir com formalidade e convencionou-se que nestes contextos, sendo de pano, o guardanapo havia de estar sobre as pernas”. Aqui, já sentados, podemos refletir sobre convenções sociais enquanto os elementos naturais a enformam. A areia não é apenas areia. A luz do sol, tal como as convenções, também desaparece quando já não é necessária. O texto desta instalação remete-nos para um quotidiano ao mesmo tempo que há uma partilha de alguém que detesta mesas na diagonal nos cafés.


É hora de levantar, preparar as sapatilhas e levar cimento.


Mudança de media. Já não estamos numa sala de ensaio. Já não é uma galeria de um museu.

Carminda Soares, no seu audiowalk, começa: “Construir um bunker dentro da minha cabeça. Bem lá no fundo do cérebro, um bunker. Podem tocar à campainha, gritar, chamar por mim, estou dentro dum bunker. Dentro da minha cabeça ninguém me encontra.” E daqui, o público é convidado a correr pelas ruas da cidade, enquanto o texto é sussurrado a cada um durante o percurso. Passam pelo estádio com luz rosa para auxiliar no processo de crescimento da relva, passam pela tendo do circo, passam pelas traseiras do circo até à camioneta, que os leva de volta ao ponto de encontro. Carminda leva o seu público atrás dela a correr, e o texto corre nos ouvidos dos espetadores. A mistura das ruas da cidade e dos locais por onde passam leva o público, aquele coletivo, à exaustão. O texto, também ele, repercute a exaustão, terminando: “Há um sistema de poder em todas as parte do mundo. Uns acima dos outros. Mortes que valem menos que outras”.


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Excerto de "Light on Light", de Carminda Soares. Captação GoPro e edição de Rogério Nuno Costa. Excerto de ficheiro sonoro/texto: Carminda Soares.


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A camioneta chegou.


Da camioneta passamos para a cadeira. E da cadeira Catarina Real termina o primeiro dia com a apresentação do seu livro. Livro esse que parte para a construção experimental de uma narrativa através de recortes de uma coleção de suplementos culturais do Ípsilon, suplemento do jornal Público. Recortes que a autora partilha, agora em livro, mas cuja composição permite novas leituras; um trabalho que evoca, numa certa medida, a obra de Ana Hatherly, deixando-nos olhar para o texto de uma forma mais experimental, numa combinação de palavras para criar uma outra coisa que vai para além do seu significado.


Fim do primeiro dia.


Diogo Sottomayor

 

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Registo fotográfico da responsabilidade do Município da Feira & Cineteatro António Lamoso:











 

"No dia em que assisti/participei/observei/corri no maravilhoso LIGHT ON LIGHT da Carminda Soares, trabalho apresentado no contexto do RE=INICIAR | Encontro de Artes Performativas organizado pelo Ballet Contemporâneo do Norte, em Santa Maria da Feira. Podem tirar o Rogério do abîme, mas não conseguem tirar o abîme do Rogério...", in www.instagram.com/rogerionunocosta



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