O início e o fim de "Ensaio dirigido a...", de Andresa Soares. Registo fotográfico de Alexandra Couto. Praça Central do Imaginarius Centro de Criação, 6 de novembro de 2022.
Diário de Bordo
por Diogo Sottomayor
Sexto dia, e último
Olhar interno.
Se num primeiro momento elas dançavam e eu escrevia, hoje foi dia de dançar com estas pessoas: Daniel, Susana, Carminda, dois Diogos e Andresa. Numa pequena apresentação sobre o resultado final do workshop conduzido pelo Daniel Pizamiglio ao longo de toda a semana do Encontro, o nosso objetivo tinha uma pequena partitura: desconhecido, check in do nosso dia, procurar o outro. Foi sobre partilha dos corpos e sobre desconhecer esse mesmo corpo. Foi sobre gestos, foi sobre lembrar e esquecer, e voltar a aprender esses mesmos gestos. Foi sobre seis corpos que partilham um espaço expandido com o público, e vão procurando e esquecendo, até chegarem a uma conclusão, rítmica, onde a conexão entre os corpos parece evidente.
"Primeiro Nada, Depois Nada", apresentação informal do resultado do workshop conduzido por Daniel Pizamiglio ao longo de toda a semana do Encontro na Sala de Ensaios do Cineteatro António Lamoso. Com a participação de Susana Otero, Carminda Soares, Diogo M. Santos, Andresa Soares, Daniel Pizamiglio e Diogo Sottomayor. Música ao vivo de Usof (João Rochinha). Registo fotográfico e vídeo de Rogério Nuno Costa. Cineteatro António Lamoso (Palco), 6 de novembro de 2022.
Pausa.
Tiago Rosário, através da instalação vídeo "R-RE-RES-REST-RESTA-RESTAR-RESTART", coloca uma série de imagens em relação e em repetição. Uma clara alusão à forma como as notícias são dadas, mastigadas, e repetidas novamente. “Quantas vezes veremos algo? Quantas vezes veremos algo novo? Quantas vezes veremos algo novo novamente?” E a nossa experiência enquanto público, junto de símbolos tão fortes (como os quadrados com imagens em movimento do Zoom e a memória da pandemia), é de refletir sobre os papéis dos media na era da (des)informação. Sobretudo, tendo em conta o cariz e o aproveitamento de algumas notícias, a pergunta é mesmo essa: quantas vezes veremos algo novo (mas que é o mesmo) novamente?
"R-RE-RES-REST-RESTA-RESTAR-RESTART", instalação-vídeo e Tiago Rosário no Foyer do Cineteatro António Lamoso, 4 a 6 de novembro de 2022. Registo fotográfico da responsabilidade do Cineteatro António Lamoso.
Pausa para almoço.
Corpo acusa algum cansaço.
Assim que Filipa Duarte surge em cena há uma coisa inegável: a presença da criadora é avassaladora. Dotada de uma técnica e géstica da dança irrepreensível, Filipa consegue ir mais longe e mostrar também um lugar de partilha e vulnerabilidade. Utilizando açúcar, flores e objetos do cotidiano, ao mesmo tempo que estende uma grande folha em branco à frente dxs espetadorxs, Filipa permite que o público se inscreva naquele espaço. Um objeto cénico que está em devir e transformação constante. O trabalho é especialmente curioso, porque se tratar de alguém que esteve a desempenhar funções de produção para o Encontro, ao mesmo tempo que preparava esta apresentação. E, nessa contaminação de dois mundos, vamos entendendo um pouco melhor o entendimento de Vânia Rodrigues (uma das pensadoras ativas da produção em Portugal) sobre o conceito de produção-criativa. Filipa demonstra que os papéis de bailarina, criadora e produtora não são estanques. Ela consegue, através daquela mesma folha em branco, demonstrar que (re)imaginar a nossa história ou criar narrativas é um exercício amplo, e que pode ele também ser partilhado: “Quero realmente dizer alguma coisa mas, por medo, oculto a última palavra porque não tenho coragem de a exteriorizar e culpo a falta de tempo com um descaramento cobarde. E quanta impertinência eu escrever isto. Para depois o dançar. Ou depois de o dançar. Ou a dançar.”
Pausa.
"Pro/dutiv-ação" de Filipa Duarte. Registo fotográfico de Alexandra Couto. Black Box do Imaginarius Centro de Criação, 6 de novembro de 2022.
O trabalho de Andresa Soares deu-me luta no processo da escrita. Tinha muitas questões: Escrevo só a partir do que vi? Escrevo depois de ler o texto que era dito aos performers que atuaram para nós? Como posso escrever sobre pessoas que estiveram a semana toda a conviver connosco, cada uma no seu universo, e agora se justapõem para criar a peça da Andresa? A resposta demorou, mas chegou. Escreverei a partir da visão e não do texto.
A escrita não leu o texto. Foi uma decisão.
Vários são os criadores que estão aqui: Susana Otero, Miguel Pereira, Rogério Nuno Costa, Filipa Duarte, Daniel Pizamiglio, Diogo M. Santos, Margarida Montenÿ, Maria R. Soares, Carolina Canteli. Quase todos são participantes do Encontro; quem viu os seus trabalhos, sabe quão diferentes são os universos criativos de cada um. E isso traz camadas à visualização esta performance: conhecer o trabalho de cada participante e ver, agora, como o mesmo estímulo textual pode trazer resultados tão distintos àqueles corpos. É irrelevante a questão da distinção entre performer, bailarino, atriz... Na verdade, não há etiquetas aqui. A experiência estética do objeto baseia-se numa suspensão da crença: acreditamos que todos os áudios estão sincronizados e que, muito provavelmente, cada uma das pessoas que ouve se esquece que tem um público. No final, fica a dúvida sobre a duração do dispositivo, mas a certeza que os participantes foram muito generosos no seu contributo.
Pausa.
"Ensaio dirigido a...", performance de Andresa Soares com a participação de Carolina Canteli, Daniel Pizamiglio, Diogo M. Santos, Filipa Duarte, Margarida Montenÿ, Maria R. Soares, Miguel Pereira, Rogério Nuno Costa e Susana Otero. Registo fotográfico de Alexandra Couto. Praça Central do Imaginarius Centro de Criação, 6 de novembro de 2022.
Último trabalho.
Uma sala cheia de cadeiras.
Uma sala cheia de cadeiras e Valentina Parravicini está lá.
Uma sala cheia de cadeiras e Valentina vai nomeando cada uma das cadeiras.
Seguindo a pergunta “o que faz uma bailarina quando o coreógrafo não está presente?”, a criadora evoca uma série de memórias e leva-nos consigo para o seu universo criativo e para algumas das suas inquietações.
Uma sala cheia de cadeiras.
Uma instalação de cadeiras.
A criadora dança. Ela monta. As cadeiras estão num limbo de equilíbrio. Ela dança.
Há uma evocação de memórias e documentações que não são materiais. Há apenas uma sala cheia de cadeiras vazias.
Ela dança.
Ela terminou.
Diogo Sottomayor
"O Coreógrafo Não Está Aqui" de Valentina Parravicini. Apresentação informal após a residência de uma semana na Sala de Conferências do INATEL Feira. Registo fotográfico de Alexandra Couto e vídeo de Rogério Nuno Costa. 6 de novembro de 2022.
Registo fotográfico realizado por Jani Nummela (6 de novembro de 2022). Artistas: Daniel Pizamiglio, Filipa Duarte, Andresa Soares e Valentina Parravicini. Espaços: Cineteatro António Lamoso (Palco), Imaginarius Centro de Criação (Black Box e Praça Central) e INATEL Feira (Sala de Conferências).
Sobre "Ensaio dirigido a..." de Andresa Soares
por Alexandra Couto
Sempre igual, sempre diferente e o público nunca farto. Tal como o melhor design é o minimal, também o melhor bailado pode ser o mais primário – sem música ou diálogos, sem passos definidos, sem guarda-roupa ou adereços. Naquele despojamento idealizado por Andresa Soares a partir de um set mínimo de instruções, há un petit peu de génio, expresso na liberdade que é permitida aos bailarinos, entregues unicamente ao seu instinto, bel-prazer e perícia. O desempenho do coletivo é totalmente absorvente e, dentro dele, cada desempenho individual é um solo próprio. Goosebumps all over, uma e outra vez. E então quando do silêncio se erguem aqueles poucos compassos do “Palladio” de Karl Jenkins… É a apoteose, a gratidão. Que privilégio inesperado foi ter assistido a esta manifestação de arte e humanidade.
(Pronuncie-se à francesa: ) Bravo! BRAVO! BRA-VO!
"Ensaio dirigido a..." de Andresa Soares. Registo vídeo de Alexandra Couto. Praça Central do Imaginarius Centro de Criação, 6 de novembro de 2022.
"Primeiro Nada, Depois Nada" de Daniel Pizamiglio. Registo fotográfico da responsabilidade do Cineteatro António Lamos (6 de novembro de 2022):
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